Em audiência na Câmara, políticos debatem uso medicinal da maconha
Senado avalia PL para fornecimento de remédios com canabidiol pelo SUS
Senado avalia PL para fornecimento de remédios com canabidiol pelo SUS
A proibição do uso medicinal da Cannabis sativa, planta
popularmente conhecida como maconha, foi comparada, nesta terça-feira (19)
durante audiência na Câmara dos Deputados, a situações como a proibição do uso
de morfina e do cultivo de cana-de-açúcar e da mandioca – plantas que,
dependendo do tratamento que recebem, podem resultar em bebidas alucinógenas.
A questão foi associada também ao fundamentalismo religioso
e ao racismo, uma vez que, no passado, a maconha tinha seu uso associado a
negros escravizados.
A regulamentação do uso da Cannabis para fins
medicinais foi o tema da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos
Deputados a pedido da deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ). O evento contou com a
participação de políticos e autoridades favoráveis ao uso medicinal da maconha.
No Senado, está tramitando o Projeto de Lei (PL) 89/23, que
institui a política de fornecimento gratuito de medicamentos com canabidiol
pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Na Câmara, tramita o PL 399/15, que
viabiliza a comercialização de medicamentos que contenham Cannabis sativa em
sua formulação.
Planta terapêutica
“A Cannabis é usada como planta terapêutica há
milênios. Seus efeitos são reconhecidos por diversas culturas ancestrais e
contemporâneas. Infelizmente sua proibição reflete o quadro de um Brasil
marcado não só pelo racismo, porque em parte está associada aos quatro séculos
de escravidão no Brasil, mas também pelo avanço de conservadorismo e
fundamentalismo religioso, que infelizmente atravanca o que é uma vida mais
digna para muitas famílias e muitas pessoas com deficiência”, argumentou
Talíria, ao abrir a audiência.
A deputada enumerou uma série de benefícios da Cannabis para
doenças como fibromialgia, epilepsia e câncer, “entre uma série de outras
patologias e modos de viver”. Por isso, acrescentou, é fundamental que o Estado
assuma o papel de garantir acesso.
“Isso passa por viabilizar produção, e, quando falamos de
produção, falamos de preço e do quanto é inviável, por conta da importação,
para muitas famílias que não têm acesso aos produtos e medicamentos com valor
altíssimo. Falamos também de prescrição e, acima de tudo, de acesso universal
garantido pelo SUS, para que essas famílias tenham algum conforto”,
complementou.
Morfina
Vereadora do PSOL-RJ, Luciana Boiteux comparou a proibição
do uso medicinal da planta à proibição do uso de morfina, um opioide usado como
analgésico em uma série de tratamentos. “Fico imaginando se, no passado,
tivessem de batalhar tanto para o acesso à morfina, que é um opioide com muitas
finalidades. Não dá para pensar em lidar com a dor de muitos pacientes sem o
acesso à morfina”, afirmou.
Um dos convidados para debater o tema foi o deputado
estadual Eduardo Suplicy (PT-SP), que aproveitou o evento para informar que, no
fim do ano passado, foi diagnosticado com doença de Parkinson leve e que faz
uso da Cannabis medicinal. “Eu tinha um pouco de tremor nas mãos, uma
dor muscular na perna esquerda. Além da medicação convencional que tomei, estou
me tratando agora com a Cannabis medicinal desde fevereiro deste ano
e posso dizer: estou me sentindo muito bem e ativo. A Cannabis traz
uma melhor qualidade de vida para todos”, disse Suplicy.
Segundo o deputado, a Cannabis está provocando na
medicina “uma revolução comparável à descoberta da penicilina, em 1928”. Ele
acrescentou que a planta pode ser considerada o remédio do século 21. “O
impacto da Cannabis na saúde humana só é comparável ao impacto da
penicilina, pela capacidade de combater bactérias e a eficácia na luta contra
várias doenças”, afirmou.
“É importante combatermos o estigma contra a Cannabis porque
ela promove a qualidade de vida para as pessoas com Alzheimer, ansiedade,
artrite, glaucoma, dor crônica, esclerose múltipla, insônia, depressão,
esquizofrenia, endometriose, epilepsia, síndrome de Dravet, doença de
Parkinson, além das doenças do espectro autista, entre outras tantas. É
fundamental garantir, a todos, acesso à Cannabis, proporcionando, assim,
acesso à saúde”, acrescentou Suplicy, ao lamentar que o uso da planta ainda não
beneficia a todos, uma vez que um frasco de canabidiol pode chegar a custar R$
1.200.
Agenda da Saúde
Representando o Ministério da Saúde, Rodrigo Cariri, da
Coordenação Geral de Atenção Especializada, informou que a pasta está
trabalhando nesta agenda. Entre as atribuições da pasta destacam-se a política
de neurologia e a coordenação da saúde da pessoa com deficiência, que acompanha
tanto pessoas portadoras do transtorno do espectro autista quanto políticas
voltadas a pacientes com dores crônicas.
“A gente enxerga os produtos feitos a partir da maconha e de
seus derivados como potenciais recursos terapêuticos para um conjunto
expressivo de condições clínicas. Consideramos as evidências científicas e
tomamos essa posição a partir das análises de evidências disponíveis na
literatura. Por isso, temos compromisso inegociável com a ciência e com a vida
acima de tudo. É desse lugar que a gente enxerga que os produtos de maconha são
potenciais recursos terapêuticos”, disse.
Mandioca e cana
Segundo Cariri, a proibição da produção da maconha do Brasil
poderia ser comparada à proibição da produção de mandioca no país, uma vez que,
da mandioca, é possível produzir uma bebida alucinógena.
“É como se a gente proibisse a produção de mandioca no país
e autorizasse a importação de tapioca”, disse ele, ao lembrar que a autorização
para a produção de maconha medicinal poderá resultar na geração de empregos no
país.
O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura
Familiar, Paulo Teixeira, foi além e comparou a proibição da produção de
maconha com a produção de cana-de-açúcar. “A cana é utilizada para inúmeras
finalidades. Inclusive para a produção de aguardente, que pode, no abuso,
resultar em problemas de saúde.”
Teixeira lembrou que medicamentos à base de maconha ajudam
crianças com epilepsias refratárias, que normalmente têm de 20 a 30 convulsões
por dia. “Nenhum outro medicamento dá conta dessas situações”, disse o ministro
ao defender que o Brasil se empenhe não apenas na produção, mas em pesquisas
voltadas ao tema.
Ele acrescentou que o PL 399 permite a produção de Cannabis sativa no Brasil em um ambiente “altamente controlado” para a fabricação de medicamentos.
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